quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Longas Ruas

A brisa aumentava, enquanto as gotas sublimes e frias passavam a grande velocidade pela sua via aberta, caídas do céu, vindo deliciar a amargura da pele...

num momento inesperado, a temperatura amornou, a chuva essa parece ter sido obrigada a uma operação, que a impedia de prosseguir o seu rumo... 

então novos rumos foram traçados...

a noite estava escura, as sombras que vagueavam, eram resultantes de alguma fonte luminosa que surgia a espaços pela rua acima...

os passos seguiam-se com firmeza.... era possível distinguir os de humanos com os restantes... sim… de animais ateados a trelas que relinchavam quando estas eram repuxadas...

outros e selvagens fugidios passos, de uma animal sem parceiro a escapar-se por uma estrada, enfiando-se no breu de um covil, idealizado pelo fundo de um carro ali estacionado, em que sua sombra estaria tão cansada do seu dia, que nem acusava a presença notívaga desse solitário animal...

outros passos eram fáceis de detetar, tal e qual um teste audiométrico estivesse ali a ser testado... 

os passos da chuva que voltara, e como a sua forma de se mostrar era intensa, barulhenta, parecia estar a ser cúmplice de uma outra qualquer personagem que se perdia por aquela rua conhecida, mas antiga de sempre... onde talvez tentasse vaguear de forma solitária e indefinível….

as ruas foram trespassadas, as veias já acusavam alguma palpitação provocada pela metamorfose  que a noite provoca nos caminhos e rotas que se conhece do dia…

se nesses seguintes instantes existissem detetores de calor, certamente seria possível visualizar raios elétricos a percorrerem o seu corpo... era um climax muscular, em que os pêlos se eriçavam à passagem por cada rua, que no seu fim ficava escura sem um raio de luz para lhe direcionar o caminho...

começou a sentir uma interação com algo... o silêncio da noite, era agora um cenário que só poderia ser desenhado por um artista em agonia... 

uma breve e fugaz luz rasgou a escuridão, provocando uma instantânea rotação em busca da sua identidade... mas foi tão efêmera que apenas serviu para aumentar os arrepios que agora se tornavam descontrolados por todo o corpo...

o boné que cobria a cabeça, o mesmo que no passado sempre esteve na sua, agora passeava-se no novo homem... mas por momentos deixou de sentir a sua pressão... 

os olhos fecharam-se instintivamente... o corpo quase gelava… os dedos ficaram da espessura da pele e osso... os passos seguintes foram dados, sem sentir o pisar o solo… a intensidade brutal de feixes de his que transmitiam milhares impulsos elétricos por todo o corpo era assustador… 

e por breves instantes deu a sensação…
a sensação…
a sensação… da incorporação de uma alma no seu ser…

como que se testemunhasse um desejo que apenas vivia na sua alma… um desejo tão intenso que até receava o dia que ele se realizasse…

e só com uns passos temerosos mais à frente, conseguiu certificar-se da presença do boné em sua cabeça, pela sombra que o perseguia de trás de si até se colocar lateralmente pela estrada molhada... 

aquele breve momento, prolongou-se singularmente no seu íntimo... 

o caminho passava a ser familiar de novo, tal como o dia o revela… a rota traçada em sua alma era de novo reconhecida, e em breves passos entrou de novo em seu lar…

lar de quem também o acompanhou pela escuridão das longas ruas percorridas nesta noite…

noite de magia de arrepiar… arrepios intensos de suster a respiração, e ao mesmo tempo de vibração por presenciar momentos de imortalidade…

a existir uma razão de tudo isto… 

essa razão hoje, És Tu.

                                                                                                                                                                                                                       (MAC & DC)